15 outubro 2016

ELOGIO DA SOLIDÃO

Por: Monge Luciano Manicardi
Comunidade Monástica de Bose, Itália

Depois de ter vivido a experiência de duas semanas passadas num lugar retirado sem a possibilidade de ligar-se à internet, a escritora britânica Ruth Thomas publicou as suas reflexões sobre a perda da capacidade de estar em solidão a que nos conduz a vida contemporânea, marcada pelas conexões em rede, mas também sobre o prazer de redescobrir a riqueza e a potencialidade inerente à solitude. Viver alguns dias sem telefone e sem internet é hoje uma experiência excecional, com dimensões antropológicas e espirituais relevantes. Ruth Thomas afirma que lhe parecia estar a viver num tempo passado, noutra época, duzentos anos antes.


O binómio "solidão - 'ocium'" é amplamente atestado na Antiguidade clássica. Um passo do "De officiis", do célebre sábio e cônsul romano Cícero, diz: «Marco, meu filho: de Públio Cipião, que em primeiro lugar teve o sobrenome de Africano, Catão, que era mais ou menos seu coetâneo, conta que era habitual dizer que ele nunca era menos ocioso do que quando era ocioso, nem menos só do que quando estava só». Expressão verdadeiramente esplêndida e digna de um homem grande e sábio: ela diz que também no tempo livre ("in otio") pensava nos negócios públicos ("de negotiis") e em solitude ("in solitudine") falava consigo próprio, e por isso nunca era ocioso e não sentia a necessidade de alguém com quem conversar. Desta forma, ociosidade e solitude ("otium et solitudo"), estas duas coisas que paralisam os outros, a ele, pelo contrário, estimulavam-no. Obviamente, o significado de "otium" e "otiosus" não tem aqui nada de negativo, antes indica o tempo do retiro, o tempo dedicado ao estudo, ao pensar, ao refletir, à atividade espiritual. Santo Ambrósio de Milão realizará uma refundação bíblico-cristã desta dupla terminológica. O bispo de Milão aplicou a si mesmo a expressão ciceroniana: «Com efeito, nunca sou menos só do que quando parece que esteja só, nem menos ocioso do que quando parece que seja ocioso». Silêncio, solidão, tranquilidade eram considerados por Ambrósio elementos de fecundidade e de eficácia também no exercício do seu ministério episcopal.


Diante da dificuldade de viver a solidão e de estar sem fazer nada, é preciso, portanto, creio redescobrir a antiga e sempre nova virtude do "otium". No atual contexto de idolatria da comunicação, somos subjugados por demasiada informação, que não sabemos elaborar. Seria preciso um movimento de "tomada de distância de si". É um movimento de resistência individual, um ato de subversão solitária.


A ideia da recuperação e da valorização da noção de "otium" é precisamente dirigida à recuperação de uma sabedoria que hoje está perdida. Como já escrevia santo Agostinho, «o meu "otium" (tempo livre) não é destinado a cultivar a preguiça, mas a alcançar a sabedoria». E Agostinho dizia isto a partir da lição bíblica: «O letrado adquire a sabedoria, no tempo em que está livre de negócios; por isso, aquele que tem poucas ocupações pode chegar a ser sábio» (Ben Sira 38, 24). Ter tempo, dar-se tempo, para poder habitar consigo próprio. De outro modo o risco da nossa incapacidade de solitude é que os nossos corpos se tornem não-lugares, lugares não habitados, lugares sem alma, lugares só de passagem de emoções e flash, de sons e rumores, sem princípio nem fim.


A ideia de "otium", a expressão "vacare Deo" (ter tempo livre para Deus), tornam-se elementos típicos da experiência monástica, experiência que desenvolve particularmente a dimensão solitária, e que, todavia não cria uma vida de privilegiados, mas funde "otium" com a atividade laboral intensa e quotidiana.


Em síntese, o "otium", se é virtuoso, deve afastar de si toda a forma de "otiositas". Sem o cansaço do trabalho manual e intelectual, com efeito, o monge não poderia alcançar aquele distanciamento do mundo, dos próprios pensamentos e desejos que lhe permite alcançar a paz interior e, portanto, a contemplação de Deus. Em suma, o "otium" é um bem na medida em que vê trabalho, fadiga, esforço e aplicação. Um "otium negotiosum" (um ócio laborioso, uma inatividade operativa) como gostam de repetir os monges, e também "negotiosissimum" (laborosíssimo), como especifica S. Bernardo. O "otium" é a possibilidade da solidão positiva, da solidão da alma. E talvez o retomar da atitude espiritual do "otium" possa fazer bem também a nós, hoje, que vivemos uma relação conflitual com o tempo e frenética com o fazer. Mas aqui coloca-se a pergunta: sabemos estar sem fazer nada? Sabemos habitar a atitude positiva, não indolente, mas eficaz, do não fazer?


A fadiga do "otium" está no dedicar-se ao trabalho mais difícil e mais necessário do homem: conhecer-se a si mesmo. O "otium" permitir-nos-ia aprofundar a noção de vida interior e, sobretudo de desenvolver a prática. Prática que conhece muitos movimentos que precisam ser aprofundados e analisados (tomar atenção, vigiar, interrogar-se, pensar, discernir, decidir, etc.), mas aqui limito-me a elencar as três atitudes de fundo que se apresentam ao homem que decide entrar na vida interior ou, se quisermos, de dar espaço ao "otium" na sua existência. São os movimentos contidos num apotegma de Arsénio, um padre do deserto: «Foge, faz silêncio, sê tranquilo: destas raízes nasce a possibilidade de não pecar». Ou seja, procura conscientemente a solidão, vive o silêncio como ação interior, persegue a paz interior. Trata-se de uma ação fatigante, que exige um esforço, que convoca as energias interiores e espirituais da pessoa para um fim preciso, e que consente ao homem sair da atitude "viciosa", isto é, dos maus hábitos, da tirania dos hábitos que nos agitam e nos tiram liberdade e responsabilidade. O hábito, escreve o filósofo latino Séneca, «imobiliza as coisas» e paralisa também a pessoa. O resultado desta ascese, isto é, desta escolha consciente do essencial, é o sentido acrescido de integridade pessoal (1).


O ínclito eremita francês Charles de Foucauld relata sua meditação: “Quero passar sobre a terra de maneira obscura como um viajante à noite. Viver na pobreza, na abjeção, no sofrimento, na solidão, no abandono para estar na vida com o meu Mestre, o meu Irmão, o meu Esposo, o meu Deus, que viveu assim toda a sua vida e me dá esse exemplo desde o nascimento”. (Meditações sobre o Evangelho). (2).


CONCLUSÃO


A práxis do silêncio, solidão, deserto e toda ascese desse contexto, é a abissal vida espiritual com a bênção da celestialidade que não existe palavras para uma explicitação desse estado de graça. O amor desse estado de vida, a fé, a esperança e o poder de Deus são fundamentos da vivência da via contemplativa. A simbiose da gloriosa felicidade, a busca ardente do silêncio, oração, intercessão, estudo da Sagrada Escritura, jejum e visões, são atitudes alimentares da alma, saúde emocional e equilíbrio para o corpo. Os atos praticados de tais virtudes solidificam a caminhada na profundidade de comunhão com Deus, consigo mesmo e com o próximo. A idiossincrasia dessa abençoada jornada é sublime, caridosa e tomada de uma vontade infinita de paz, de serenidade e de santificação. A solidão do deserto é a companhia da Santíssima Trindade, dos anjos, dos santos e dos mistérios revelativos! Aqui há confidencialidade eremítica.


Hoje mais do que nunca, a vida tem sentido na dimensão da espiritualidade do silêncio. A falação, o barulho, a poluição visual e a perigosa companhia de certas pessoas, são armas que assassinam muitas vidas. A sabedoria do silêncio é o tesouro dos sábios. Quem fala pouco, ou seja, o necessário, e fala para edificação é ser intelectual. O silencioso vive no conhecimento da escola de São José e de Maria de Nazaré. O silêncio é o livro de ouro dos sábios. Quanto mais se aprende a viver em silêncio, mais profundo se torna o discípulo da Sagrada Família. Nosso relacionamento com a solidão é o livramento de tudo que pode ofender o espírito e a matéria. Depositamos a nossa confiança em Deus em nós mesmos com a força do silêncio. Viver verdadeiramente é viver livremente para amar o bom Deus, o nosso “eu” e o nosso semelhante na infinidade do tempo graciosamente silencioso. Em tudo na adoração e louvor angelical!


Crescer na graça, na misericórdia e no conhecimento de Jesus Cristo, configurados na riqueza do silêncio e da solidão, tendo como pedagogo o Espírito Santo para que o nosso progresso espiritual seja sempre renovado, avivado e reavivado.


Inácio José do Vale
Professor, Sociólogo e Conferencista
Fraternidade Sacerdotal Jesus Cáritas
Irmãozinhos da Visitação de Charles de Foucauld

Notas: